segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Back On His Feet

O silêncio podia-se respirar nas ruas daquela pequena vila. Os únicos carros na estrada eram os da polícia, com os sinais luminosos ligados, que procuravam aconselhar pessoas que ali andassem a voltarem para casa e esperarem. À porta das casas, os membros mais velhos de cada família mantinham-se preocupados, ansiosos e expectantes. Perto deles, tinham água, os kits de primeiros socorros, cordas, enfim, qualquer coisa que pudesse servir para ajudar. As suas crianças ficavam na escola até mais tarde, rotina que se repetia há alguns meses. Dentro das salas, faziam jogos, viam desenhos animados, qualquer coisa que os ocupasse. Os bombeiros e enfermeiros, sempre preparados para sair em caso de emergência. Tinham os carros equipados, atestados e de chave na ignição. Os telefones eram quase obrigados a ficarem mudos, condição que apenas seria alterada em circunstâncias muito específicas. 

Ao início da estrada via-se um rapaz de bicicleta, que pedalava com toda a força que tinha. À medida que o avistavam as famílias iam-se chegando à beira do passeio, curiosas. O rapaz trazia novidades, boas novidades, que gritava a plenos pulmões e pedia que passassem a palavra. A vila ganhou nova vida, com todos os telefones a tocarem em simultâneo, as famílias que se abraçavam, as crianças na escola que gritavam de alegria, os polícias e bombeiros que ficavam na rua a bater palmas. Era o regressar à normalidade, era o desvanecer das preocupações acumuladas. 

O rapaz da bicicleta gritava "Ele está de volta. Passem a palavra. Ele está bem. Ele está de volta." 

Para que durmam bem de noite, 
o Homem do Meio.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Quem era ele?

Não havia pior dia para sair à rua. Chovia como se o céu fosse cair e a luz estava claramente a perder a luta contra as nuvens. Num destes dias encontramos um velho, aparentemente sem abrigo, que se senta entre um prédio e um café. Local escolhido de propósito, talvez, para dizer que não tem nem tecto nem pão.
Com a boina a tapar parcialmente aquela cara envelhecida, esta mostrava-se baixa. Tinha os joelhos dobrados, e num deles apoiava-se um dos braços, cuja mão parecia fazer pela esmola. Raras eram as vezes em que levantava a cara, mas parecia mais atento ao que o rodeava do que qualquer um daqueles pares de pernas que passavam apressados.
O pedaço de cartão que repousava ao seu lado, mal cortado e mal escrito, dizia, em letras gordas: "gosto tanto disto como qualquer um". Não puxava a solidariedade daquelas faces sérias que o olhavam com desdém.
A estrada tinha sido cortada, já que parte do pavimento tinha colapsado graças ao dilúvio, que teimava em não descansar.
Do outro lado do alcatrão e com grande aparato, uma jovem escorrega numa tampa de esgoto e cai; acontecimento que puxa a atenção do velho, que olha intrigado, ora para o céu, ora para o seu velho relógio, ora para a rapariga, enquanto cofia a barba. Não longe dali, um jovem apressa-se para a ajudar, em contraste com o desprezo com que as restantes pessoas a brindavam. O velho sorriu, ainda intrigado. Ele ajuda-a a levantar-se, ela está bem, agradece, piada aqui, piada ali. O velho levanta-se. Retira a boina e atira-a para o chão. Sacode as calças e a restante roupa, ajeita o casaco. Caminha, debaixo da chuva intensa, até ao meio da estrada, já observado pelo jovem casal. Acena-lhes com um sorriso e de seguida olha para cima, enquanto ergue uma das mãos ao nível da face, aberta. Fecha-a, devagar, e olha para ela. A chuva parou. As nuvens fugiram. É um dia novo. E o velho nem vê-lo.

Quem era ele?

É o que toda a gente quer saber,
o Homem do Meio.