segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Quem era ele?

Não havia pior dia para sair à rua. Chovia como se o céu fosse cair e a luz estava claramente a perder a luta contra as nuvens. Num destes dias encontramos um velho, aparentemente sem abrigo, que se senta entre um prédio e um café. Local escolhido de propósito, talvez, para dizer que não tem nem tecto nem pão.
Com a boina a tapar parcialmente aquela cara envelhecida, esta mostrava-se baixa. Tinha os joelhos dobrados, e num deles apoiava-se um dos braços, cuja mão parecia fazer pela esmola. Raras eram as vezes em que levantava a cara, mas parecia mais atento ao que o rodeava do que qualquer um daqueles pares de pernas que passavam apressados.
O pedaço de cartão que repousava ao seu lado, mal cortado e mal escrito, dizia, em letras gordas: "gosto tanto disto como qualquer um". Não puxava a solidariedade daquelas faces sérias que o olhavam com desdém.
A estrada tinha sido cortada, já que parte do pavimento tinha colapsado graças ao dilúvio, que teimava em não descansar.
Do outro lado do alcatrão e com grande aparato, uma jovem escorrega numa tampa de esgoto e cai; acontecimento que puxa a atenção do velho, que olha intrigado, ora para o céu, ora para o seu velho relógio, ora para a rapariga, enquanto cofia a barba. Não longe dali, um jovem apressa-se para a ajudar, em contraste com o desprezo com que as restantes pessoas a brindavam. O velho sorriu, ainda intrigado. Ele ajuda-a a levantar-se, ela está bem, agradece, piada aqui, piada ali. O velho levanta-se. Retira a boina e atira-a para o chão. Sacode as calças e a restante roupa, ajeita o casaco. Caminha, debaixo da chuva intensa, até ao meio da estrada, já observado pelo jovem casal. Acena-lhes com um sorriso e de seguida olha para cima, enquanto ergue uma das mãos ao nível da face, aberta. Fecha-a, devagar, e olha para ela. A chuva parou. As nuvens fugiram. É um dia novo. E o velho nem vê-lo.

Quem era ele?

É o que toda a gente quer saber,
o Homem do Meio.

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