domingo, 7 de março de 2010

Keep Me Where The Light Is - Parte 3

Dois meses depois da fuga e ainda as feridas ardiam. Agora com menos intensidade, ou por fases, mas ainda o limitavam. Tanto, que o isolamento passou a ser aquilo que mais sentido lhe fazia. O telemóvel, embora de novo com vida, ainda albergava muitas mensagens ignoradas e chamadas não atendidas.
Embora apenas um espectador, esta apatia já passava os limites da minha compreensão. Era inevitável o tentar que ele ouvisse algum dos meus gritos de raiva. E quando eu menos esperava, ele surpreendeu-me. Surpreendeu-me quando se deixou levar pelo ímpeto, que por sua vez quis quebrar a solidão e sair. Caminhar até ao bar mais próximo, aquele cujos cartazes onde se lia "Música ao vivo" lhe tinham suscitado alguma curiosidade, havia algumas semanas.
Arranjou um lugar ao balcão, onde pudesse ver o palco. Ainda só se ouvia o barulho da pequena multidão que se tinha juntado lá dentro, a mesma que lhe tornava difícil o contacto com o barman. Uma estranha aproximou-se dele. Eu? Surpreso. Aquela face de desespero ainda não tinha desaparecido:
- "Aposto que aquilo que vem a seguir consegue tirar-te essa cara triste." - Disse ela, com um sorriso confiante e um olhar desafiante. Tudo nela era belo, e em qualquer outro dia suscitar-lhe-ia interesse. Em qualquer outro dia. Por isso a resposta não poderia ser outra que não um encolher de ombros e um sorriso de agradecimento, voltando de novo a olhar o copo que repousava à sua frente. O suficiente para o olhar desafiante dar lugar a um olhar de preocupação, que a mim me deixou curiosíssimo.
- "Promete-me que ficas até ao fim." - Disse, num tom sério.
- "Não te posso prometer isso. Nem sequer te conheço." - Respondeu ele, sincero na sua vontade, sem sequer olhar para ela.
- "Claro. Vejo-te por aí." - Terminou, e virou as costas. Eu não sabia bem o que havia de fazer, se tentar atingir com uma base para copos o bloco de gelo ao qual me encontrava agarrado, ou segui-la, para perceber o porquê de tanta preocupação com um desconhecido. E foi o que veio a seguir que me deu a resposta que precisava.
A estranha sentou-se num banco, bem ao centro do palco. A estranha, de cabelo escuro apanhado, ia actuar naquela noite. A estranha, que apaixonava qualquer um à sua volta, agarrou na guitarra que permanecia ao seu lado. A estranha deixou de o ser aos primeiros acordes. Eu reconheci-os. Ele também. E se havia dúvidas, acabaram quando aquela voz, inesquecível, começou a cantar:
- "Keep me where the light is..." - enquanto olhava para ele. Enquanto o colava àquele banco.
(continua)

Eu sou o Homem do Meio. Até um dia.

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